Com toda a minha caipirisse interiorana, deleitava-me com as arvores das ruas caras pelas quais você me conduzia e me mostrava a sua cidade. Aqueles cantos com ares europeus e aquelas padarias requintadas me faziam ajeitar a postura pra tentar ficar à altura de tanta diferença. Eu já estava me acostumando com a parafernália tecnológica do seu carro, com a sua correria insana e com aquela história de você comandar tudo que era vivo e tudo que era inerte. Mas o melhor eram mesmo as árvores, não entendo por que é que elas são tão mais lindas nas ruas de lá. Talvez por carregarem heroísmo em suas histórias de luta no meio de todo aquele concreto. Você ia dirigindo e eu ia sorvendo as cores e as fachadas, como uma menininha que vai pela primeira vez à cidade grande. Porque aquela cidade era diferente das que eu conhecia, ela era a sua cidade. E quando você colocou na minha mão aquela aliança com três pedrinhas, eu me senti parte daquilo tudo. Dos bares onde tomávamos uísque e comíamos shiitake, da rua cheia de pessoas bonitas, da chuva que apagava o meu cigarro na varanda. E foi com essa mesma caipirisse que eu acreditei em tudo. Nos carinhos, nos planos, nas viagens a negócios, nas histórias da carochinha. Acreditei no acaso, no amor nascente, na sua luta diária, acreditei em cada uma das suas narrações amalucadas. E abri a minha pequena cidade pra você, com seus mares de canaviais verdinhos ondulando com o vento doce. Abri a roda de amigos, abri a porta de casa e abri com paixão as minhas pernas e a minha guarda. Então vieram fotos de amantes, filmes se editando na memória, vieram perdões e reincidências. Veio uma bola na glote e ficou até hoje um gosto amargo na calada boca, que aparece quando eu mordo a língua. Aí eu me lembro de novo das árvores que brilhavam à noite, umedecidas e aromáticas e sinto uma inveja louca delas. Quero brilho, vida e sentimentos de volta e não sei como embrenhar minhas raízes e galhos nesse concreto todo aqui dentro.

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