Se depois de tantos anos eu conseguisse o seu telefone, acho que ligaria nesse instante. Porque eu fiquei aqui lembrando a nossa história, com tantos começos, meios e fins, a intenção fajuta de não deixar acontecer nunca mais, e sempre aquelas recaídas deslavadas. A escadaria da Casa do Estudante e tudo o que ela assistiu naquela noite de chuva e calor no Rio de Janeiro, pernas buscando apoio em degraus impossíveis, só para estarmos mais dentro um do outro do que permitia a nossa anatomia. O ranger da madeira velha, a blusa vermelha jogada abaixo, o seu cabelo grudando na minha nuca, o cheiro de velas acesas saindo pelas frestas dos quartos ao som do temporal. E a luz leve que só as nossas pupilas dilatadas pelo medo conseguiam captar. E tudo voltava à vida como um relâmpago quando eu chamava você de volta pelo telefone. A estrada que o trazia sôfrego e inconseqüente, engolia a sua volta sem dizer quando seria a próxima exaustão sobre lençóis suados de motéis baratos. E nos adeuses ficava sempre algo que não permitíamos que se libertasse dos nossos porões mais ocultos. E cada vez que se rompia um pacto, lá estávamos nós comemorando a nossa covardia, viva até hoje. Viva e atuante. Foi ela que não o deixou encontrar nada definitivo e que lhe meteu esse medo do amor e da vida. Foi ela que não me deixou sossegar e me meteu essa mania de desacreditar e de fugir. Mas hoje, se de novo eu acordasse a sua madrugada e a estrada trouxesse os seus delírios, talvez não houvesse mais lugar para nos acovardarmos. Porque de alguma forma a vida há de ter trazido mansidão aos nossos pavores e, quem sabe, algum sol sobre o lodo daqueles nossos degraus.
"Sou um velho diário perdido na areia esperando que você me leia." (Vander Lee)

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