Alô

Um dia, não tinha café no pote, o chuveiro esquentou pouco, desfiou a blusa vaporosinha que eu ia vestir, e eu fiquei olhando longamente pro armário com aquela cara de sapo que nunca viu cobra. Telefone nem devia funcionar de manhã quando não se tem café, mas funciona e tocou. Eu sabia que era você antes de olhar, não sei por que, e comecei a me perguntar se tinha alguma coisa sua esquecida aqui pra você me ligar tão cedinho assim. Escolher o tom da voz naquele horário, impossível, principalmente sem café. Mas escolher tom de voz é o fim do mundo, então pensei que apesar de tudo, não precisava sinalizar a mágoa com as palavras duras que eu ouvi porque ela estava tão esquecida já. Nem precisava fingir que estava feliz e normal porque nada é feliz e normal quando as portas são fechadas de um lado sem dó nem perdão. Não atender não era uma opção porque isso é coisa que machuca e é algo que pra você é normal, mas pra mim não é. Se quisesse o telefone de alguém, teria sido melhor ligar no outro celular porque neste é que eu tenho todo mundo na agenda, e eu não sei como acessar a tal sem interromper a ligação. Será que alguém morreu? Devia ser isso, uma notícia de morte, ai meu Deus, quem será que morreu? A gente já vai logo escolhendo né... Ou então aquela mensagem mal educada que eu enviei e que você nunca respondeu devia ter ficado presa em algum canto do cosmo e só chegou em você depois de tanto tempo. Talvez fosse alguma emergência e você precisasse de alguma coisa emprestada, e claro que eu não poderia negar. Ou então você tinha sentido, por alguma louca sintonia dessas misteriosas, que eu tinha perdido o sono lembrando de nós durante a madrugada. Tinha me visto gozando sozinha fantasiando que era você aqui na minha cama e não essa montanha de almofadas que todas as noites eu tenho que afastar, abrindo caminho pro meu sono difícil. Ou um milagre estava acontecendo e você ia me dizer que assim como eu você não estava aguentando mais de saudade. Perguntei pro fundo do meu ser se não seria melhor nem atender, pra não sofrer mais ainda depois. O fundo do meu ser respondeu que seria melhor mesmo, mas eu já nem ouvi. Atendi sem nem olhar.
Compreendi que a próxima noite seria igual à anterior quando a voz desconhecida perguntou se esse telefone era do Luiz Carlos. Compreendi também que não se pode jamais deixar terminar o pó de café.
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